10 dezembro 2007

Bastille
























E àquela altura ele já devia estar no avião, talvez espremido entre uma senhora com odor de queijo e um senhor suando muito. Ou melhor, e uma mãe com um bebê recém nascido. Sim, seria um bom começo de vingança. Sabia que não, provavelmente foi o que de fato aconteceu, talvez ele tenha conseguido um lugar na saída de emergência, ao lado de um assento vago. Pior. Deve ter sido upgraded à executiva. De qualquer modo, tinha fugido o mais rápido que pôde, no primeiro vôo, da primeira hora, do primeiro dia do que seria o resto da vida dela. Só não foi a nado porque o Atlântico é deveras extenso.

Sem muito saber como, ela chegou à praça onde tinha encontrado N. pela primeira vez. Na verdade, o conhecera ainda no B., e muito bem. Foram amigos, amantes, e no fim não eram nada. Nunca foram nada enquanto sempre fazia 30° lá fora, os trópicos não foram para eles. Mas na terra da luz, onde em dezembro há floquinhos caindo do céu (ainda que em julho haja velhinhos morrendo de calor), lá tudo podia. Se houvesse um paradis como o de Luísa e Basílio, esse seria aquela cidade. Lá não havia julgamento, tudo estava por ser descoberto. Não tinham que se preocupar com nada, ou quase nada, e isso levou à criação de um nós. Claro, totalmente perecível, descartável, expirável, sentia-se lixo agora. Mas houve um nós, não podia negar, não mais.

Encontrou-o, naquela mesma praça, 6 meses antes. Fazia sol, calor, algumas crianças tomavam sorvete, se lambuzando sem dó das mães que lavariam as camisetinhas brancas depois. Lembrou-se de ter pensado como gostaria ela de ter de lavar aquelas camisetinhas, e depois poder guardá-las numa cômoda antiga no quarto decorado todo de azul e rosa (sempre quisera um casal de gêmeos, aqueles clichês). Tinha cumprimentado N. com um aperto de mão constrangido (afinal, na cabeça só se passavam filhos e maridos) e um beijo que deu errado, e que de tão errado acabou por dar certo. Lembrou-se que naquela mesma noite já o beijava com toda a paixão acumulada.

Hoje não podia mais dizer que aquilo era dar certo. A frustração lhe tomava conta, sentia a chama do vermelho no rosto, mesmo com o vento gelado e a garoa fina. Sentou-se no café em frente à FNAC na qual conversaram, um semestre antes, colocando a vida toda em dia. Foram horas difíceis, passaram juntos por todos os tipos de sentir. Como tinha sido bom pôr o peito todo pra fora! Se permitiu chorar na frente dele e rir das besteiras dele. Todo o catching up tinha sido suficiente para que ela soubesse, dissesse de novo pra si mesma "é com ele". Duas lágrimas grossas escorreram pelas bochechas até que chegaram no cachecol. Ficaram paradas, intactas, sem que se rompessem, dois pontinhos, saída e chegada, começo e fim.

Um comentário:

Carol M. disse...

Como disse, eu gostei bastante, mas tem nele algo que me incomoda um pouco: reli ontem e ainda na descobri.

Depois falamos, baixinha linda!

Beijos.