04 setembro 2008

um beijo roubado...

Acabei de assistir "My Blueberry Nights" do Wong Kar Wai, achei maravilhoso. Um filme muito sensível, apesar de uns poucos clichês. Um filme belo e simples, apesar dos stars hollywoodianos. Uma trilha sonora fantástica. Um filme para esboçar sorrisos e deixar os olhos lacrimosos.

Wong Kar Wai é o mesmo diretor do último segmento do "Eros", último filme do Michelangelo Antonioni (filme que também tem um segmento dirigido pelo Soderbergh, que eu não sei o porque foi escolhido, mas...). A primera parte do filme se chama "Il filo pericoloso delle cose" ou, no meu italiano macarrônico, o fio perigoso das coisas.

A parte do Soderbergh, bem sem graça e desnecessária, chama-se Equilibrium, e apesar de um elenco notável (Alan Arkin como um psicólogo bizarro e Roberto Downey Jr. como o paciente inquieto), causa bem uma vontade de ir embora do cinema. Acho que porque deve ter se esquecido de fazer o roteiro deste terço do filme e o Steven resolveru improvisar, hehe.

O trecho final é intitulado "The Hand", e conta a história de um alfaiate pobre e humilde que se apaixona por uma concubina. Ele faz vestidos, um mais bonito que o outro, para ela, de graça. Ele assume a tecelagem, vai enriquecendo, enquanto ela se torna cada vez mais pobre, até ficar doente. É também um filme sensível e belo, e eu vi muitas semelhanças com "Um Beijo Roubado".

A tradução do título para o português, como sempre, deixa a desejar. Mas eu adorei assistir esse filme. Não queria que acabasse! Para não escrever nenhum spoiler, falo só da minha cena preferida.

Lizzie, depois de sair de NY e ir até Memphis, Tennessee (god knows why), trabalha num Diner durante o dia e num bar à noite. Ela foge de NY porque foi deixada pelo namorado, que a trocou por outra. Ela sai em busca de algo que nem ela mesma sabe. Servindo no bar, conhece Arnie, um poilicial alcoólatra que bebe todas as noites pelo desgosto de ter sido deixado pela esposa. Lizzie simpatiza (e empatiza, claramente) com ele imediatamente. Uma bela noite, A tal ex-mulher, lindamente encenada pela Rachel Weisz, entra no bar para ir ao banheiro, e Arnie fica desconcertado no seu banquinho, olhando pela janela para o novo jovem namorado dela.

Numa outra noite, Arnie já mais do que bêbado, dá uma surra no tal namoradinho da Sue Lynne (sim, esse é o horroroso nome dela). Ela volta ao bar, enfurecida, gritando e xingando o ex-marido. Caçoa dele e se vira para ir embora, quando ele saca sua arma. Arnie diz que se ela se for, ele vai matá-la, no que ela responde "what are you gonna do? It's over!" e vai embora, denxando-o prostrado com a arma em punho.

Já numa terceira noite, Arnie sai do bar, dizendo para Lizzie que não precisava mais das suas fichas do A.A., que ele havia esquecido. Sai do bar e enfia seu carro num poste. "Disseram que foi um acidente. Que ele não conseguia ver a rua direito e acabou se descontrolando e batendo no poste." But we all know better.

Na noite seguinte, Sue Lynne entra no bar meio fora de si, todos olham para ela como se fosse culpa dela, inclusive Lizzie. Ela se senta no mesmo banquinho do ex-marido e pede uma vodka. Se vira para Lizzie que a está servindo, e diz: "This is my first drink in six years". E aí vemos que ela não abandonou o Arnie à toa não. Ninguém nesse mundo é tão inocente assim. Ela fica bêbada e na hora de ir embora, o dono do bar dá a conta do Arnie para Sue Lynne pagar. São meses de pedidos fiados, quase 800 dólares. Ela fica puta da vida, xinga, esperneia, chora. Lizzie sai atrás dela na rua, para encontrá-la sentada em frente ao local do acidente.

Chorando, ela diz que havia conhecido Arnie bem ali, quando ele havia perguntado para ela se estava dirigindo embriagada. "Quem diria que eu iria me apaixonar por um policial?". Mas que ele era tão louco por ela que ela estava se sufocando, e que toda noite eles bebiam para reencontrar o amor perdido. Mas que na manhã seguinte, alguma coisa continuava errada. Sempre. Até que ela o deixou. E ela desejava que ele morresse todos os dias, para que pudesse ser deixada em paz. E que, agora que ele tinha ido mesmo, ela sentia a maior dor do mundo.

Lizzie não diz nada, apenas ouve as confissões daquela "ex-viúva", tão perdida, tão machucada. E abraça Sue Lynne de um jeito muito carinhoso e reconfortante. Fiquei pensando o sentido dessa cena. Sue Lynne era exatamente igual ao ex-namorado de Lizzie. Ela abandonou o marido e arranjou outro, mesmo o Arnie sendo louco por ela. Elizabeth também não conseguia se imaginar vivendo sem o namorado (ela diz exatamente isso no começo do filme), e ele, ainda assim, a pretere por outra mulher.

Na verdade, ela está abraçando alguém exatamente igual a quem a fez sofrer, numa ironia tão crua, e ao mesmo tempo tão verdadeira. Num momento em que ela poderia abstratamente se vingar dos "traidores" do mundo, ela entende, silenciosamente, que as pessoas também têm suas razões para fazer as coisas. Bons ou ruins, cada um tem seus motivos. E no fim, não há certo ou errado, o lado do mocinho e da bandida. Todo mundo tá aí na vida "screwing up other people".

Essa seqüência no filme é tão bonita, tão profunda. Fiquei muito mexida com tudo. Fique pensando se teria a bondade de consolar alguém como Sue Lynne. Se conseguiria ser "magnânima" (por falta de outra palavra) daquele jeito. Se veria as coisas claramente como vejo agora. Fuck. Todo mundo erra, e a gente fica passing judgement sobre cada tropecinho alheio. E eu odeio que fiquem me julgando. Tenho sempre uma justificativa, um desculpa para cada escorrego. Don't others have them too?

Esse filme não tem nada a ver com encontrar o amor verdadeiro, ou encontrar amor em geral. Não tem nada a ver com a história de um casal, não tem nada a vez com casais. It's just fucking human life, wether you like it or not. 'Cause you don't really have a choice but to change!

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